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Dilmar Paixão –
(professor,
escritor e poeta)
Acolhi a sugestão do chasqueiro e
amigo, companheiro de ideais e lutas pela cultura, Paulo Guimarães, para que
esboçasse neste espaço, a leitura que eu faço sobre as ações de voluntariado,
tão necessárias e oportunas, na atualidade gaúcha e brasileira.
Há quase seis
décadas cresci participando das carretas do agasalho, muitas vezes, com
carretas mesmo, puxadas a boi pelas ruas das cidades. Assim, segue acontecendo
nas cidades do interior e nas capitais por onde se esparramou a gauchada Brasil
e mundo a fora.
Voluntariado
é um termo amplo com características especiais. Vejamos. Como cita Mônica
Corullón, as Nações Unidas-ONU define como voluntária, a pessoa jovem ou adulta
que, por interesse pessoal e espírito cívico, dedica parte do seu tempo, sem
remuneração, a atividades de bem-estar social e comunitário. Essa definição
pode receber outros contornos, como a concepção de ator social e agente de
transformação.
Nos
CTGs, o voluntário contemporâneo não teve grandes mudanças dos trabalhos de
outrora, pois sempre foram disponíveis para servir de aconchego, apoio e
contribuírem com os mais necessitados. Porém, na convivência social, externa ao
movimento tradicionalista organizado, as voluntariedades diferenciam-se
conforme os graus desse comprometimento, desde ações permanentes a outras
pontuais e esporádicas.
Voluntariado
gaúcho tem a ver, por exemplo, com outros significados como a hospitalidade. São
do Jaime, o Guilherme Caetano Braun, nascido na Timbuava em 30 jan 1924 e desaparecido
fisicamente a 08 jul 1999, os versos que aprendi e admiro porque falam da
hospitalidade, “o mais sacrossanto rito”, no livro De Fogão em Fogão:
Hospitalidade é o mate da chaleira, casco preto (...)
Tenho prá mim que és crioula
do velho pago bendito,
onde até o índio proscrito,
egresso da sociedade,
na xucra fraternidade
dos deserdados da sorte,
não respeita nem a morte,
mas cumpre a Hospitalidade !
Na minha lógica humana de pensador
gauchesco, praticante das lidas artísticas e campechanas da nossa cultura mais
genuína, e, inclusive, de estudante permanente com o distintivo acadêmico de
professor universitário, o voluntariado é uma escolha humana, pessoal, de
indivíduos participantes de uma comunidade. Muitos continuam colocando mais do
que suores e esforços financeiros nessas contribuições em prol do bem comum e
das pessoas carentes. Sim, há gentes com inúmeras carências como necessidades
reais de apoio material e, também, numerosas pessoas com precisões e penúrias
emocionais, de sentimentalismo, de promoção da consciência individual e
coletiva. A própria saúde, vista do conceito ampliado de saúde da OMS, explica
a importância de se avançar para além dos condicionantes e determinantes
biologicistas.
Porém,
alguns alertas são decisivos. As crises, principalmente econômicas, reduziram,
drasticamente, as pautas orçamentárias e toda a sorte de “jeitinhos”
brasileiros estão a causar dramas e problemas mais do que estruturais, maiores
ainda, que levam à ruína muitos trabalhadores e trabalhadoras das atividades
cotidianas. A crise ética, moral e de valores, talvez, seja a mais forte das
vulnerabilidades e misérias. Mas, as pessoas continuam mobilizadas. Há, também,
o caso das oportunidades de filantropia.
Podem
aparecer, ainda, os componentes de cunho pessoal, inquietudes, ideais, altruísmos,
valores como solidariedade e humanismo, que convocam essa prática da
perspectiva sociopolítica. Aliás, também aos centros de tradições, são
recomendadas avaliações mais atentas dos que mereçam receber essa
voluntariedade. Ultrapassando as questões religiosas e da caridade, prefiro
recortar uma tese mais redutiva, que oferta dois elementos de análise: os CTGs,
por sua Carta de Princípios, tem a proposição de apoiar o Estado, lido como
poder público institucionalizado, na solução de seus grandes problemas. Apesar
disso, existe o fato de que devemos considerar o valor de que não significa
isentar o Estado, poder público, de cumprir as suas obrigações e finalidades
próprias.
De
longa data, percebe-se que alguns dirigentes do tradicionalismo e de entidades
semelhantes, ao alcançarem um cargo público como de confiança, misturam as suas
responsabilidades com aquelas que lhes eram anteriores. As funções sociais
inerentes, que lhes deveriam ser particulares, acabam por requisitar outros
apoios e, não raros, convocam-se meios materiais e recursos humanos dos CTGs.
Voluntariedade ? De quem ?
Sou
daqueles apoiadores fiéis às ideias francas do voluntariado. Entendo, defendo e
as incentivo. Contudo, tragédias, acontecimentos inesperados, indesejados,
dificuldades momentâneas e fenômenos naturais de grandes prejuízos são
ocorrências que podem ser analisadas como previsíveis ou não previsíveis. Se
ocorrerem, mas havia chance de prevenção pelo poder público, de qualquer
esfera, então, é falha e precisa ser avaliada e considerada dentro das
regulamentações legais. As decisões devem ter sequência adequada.
Aos CTGs e a outros
centros de tradições populares, o voluntariado merece uma compreensão mais
reflexiva das suas ações e intencionalidades. As deficiências e incompetências
do poder público das instituições oficiais não podem, nunca, ser encobertas por
pessoas e entidades que se dedicam a atos e práticas comunitárias. O noticiário brasileiro recente comprova isso
com pouco esforço. Atinge a muitas instâncias governamentais e dos poderes.
O lote que posso
apartar desse rebanho, tem a marca de argumentos de participação, de
pensamentos humanos, mas atentos. E, sociedade, estamos preparados para essas
reflexões ? Onde se aprende isso ? Quais as oportunidades para nos educarmos a
respeito desses contextos ?
Sem a pretensão de
acometer a alguém em específico, destaco que muitas coisas precisam evoluir nos
debates e estudos dentro das atividades dos organismos sociais e
tradicionalistas. Por que, nós sociedade, pouco participamos de assembleias,
discussões comunitárias e debates quanto ao mérito e ao conteúdo de questões
coletivas ?
Em síntese,
estaremos ajudando ao Estado prevenir e resolver seus problemas, como prescreve
a Carta de Princípios, se ocuparmos nossos papeis de cidadão e cidadania,
visualizada a coletividade, em todas as ocasiões possíveis. Como fazê-lo ? Existem estímulos para isso ? De quem ?
O que se ouve quando
alguém dos nossos relacionamentos pessoais se candidata a uma função pública,
por exemplo ? Como são entendidas as
pessoas que se dedicam a auxiliar nas causas do voluntariado ?
Por derradeiro,
tenho visto, muitos casos, nos quais sempre se lembram dos CTGs diante de
catástrofes. Porém, a lembrança é a mesma destinada quando há recursos
orçamentários, para citar, que possam financiar atividades dos CTGs ? Num outro momento, comentei de apresentações
gratuitas e oficinas de ensino realizadas nos CTGs e acampamentos, aproveitadas
por empresas e agências de turismo, essas que cobram dos seus turistas e
contratantes. Mais antigos, os festivais promoveram artistas que depois
cobrariam para apresentarem-se nas mesmas entidades que lhes serviram de apoio,
algumas vezes, como recepcionistas e auxiliares dos eventos. Hospitalidade ?
Sim, a hospitalidade que, em prazo corrido, passou a ter outras significâncias,
é um comparativo mais fácil para pensarmos, compreendermos e praticarmos as voluntariedades.
Respeito a quem pensar diferente. Sei e confio, contudo, que muita gente me
compreende quanto a essas preocupações e cuidados que recomendo.
Proseamos mais de outra feita, tomara com mais alegrias
incontestáveis!
Partenon,
Porto Alegre, 18 de junho de 2017.