Via Zero Hora:
Na segunda reportagem da série que apresenta profissões que se confundem com história do Estado, saiba onde ainda se prepara a carne como nos tempos farroupilhas
Tradição do tempo dos tropeiros que saíam do Rio Grande do Sul transportando todo tipo de gêneros em direção a Minas Gerais e São Paulo em meados do século 18, a produção de charque permanece viva no dia a dia de muitos gaúchos. Em diferentes regiões do Estado, pecuaristas mantêm a atividade não apenas como método de preservação da carne, o que hoje já não é lá tão importante como há centenas de anos, mas sobretudo para preservar a tradição e alguns de seus sabores peculiares. Aplicado na superfície, o sal desidrata a carne, fazendo com que não apodreça e tornando possível o seu acondicionamento por longos períodos.
É bem bom um carreteiro de charque resume Luiz dos Santos, 47 anos, capataz da Estância São João Marcos, em Uruguaiana, que também gosta de incluir o charque no feijão.
Foi no tempo em que não havia geladeira na estância da fronteira oeste do Estado, a 630 quilômetros de Porto Alegre, que o peão aprendeu todas as funções da lida campeira com o pai, Nicanor dos Santos, hoje com 87 anos, que também foi capataz e tropeiro durante décadas. O charque, numa época em que não havia outra forma de conservação da carne dos animais abatidos na propriedade, tinha como principal função justamente garantir que aquilo que não fosse comido de imediato pudesse ser guardado para consumo posterior. Hoje, como este tipo de acondicionamento não é mais necessário, a iguaria ainda é produzida para agradar a quem aprecia o seu sabor peculiar.
O capataz Luiz dos Santos inicia o preparo na Estância São João Marcos, em Uruguaiana. Abaixo, a fábrica Paladar, em Bagé
Ao longo dos anos, o gauchão Luiz desenvolveu uma maneira simples de charquear. Primeiro, escolhe as partes do animal com as quais fará a preparação segundo ele, qualquer pedaço de carne de qualquer animal (boi, ovelha etc.) pode se transformar na iguaria. Depois, Luiz "abre" a carne sobre uma mesa ou em uma gamela, espalhando o sal grosso de maneira uniforme. Em seguida, pendura a carne salgada em algum local seco, deixando o sal agir para desidratá-la.
Em média, o charque fica pronto depois de oito dias, mas, em períodos quentes e secos, o processo pode durar seis ou sete dias. O inverso também vale: em períodos de maior umidade no ar, a carne demora mais tempo para ser desidratada.
Tradição em escala industrial
Conhecida como Rainha da Fronteira, a cidade de Bagé, na Campanha, a 380 quilômetros de Porto Alegre, já foi capital do charque durante o século 19, época em que tinha na atividade o seu principal motor econômico. Inicialmente produzido apenas nas estâncias, para consumo dos fazendeiros e peões, o charque passou, já naquela época, a produto de grande valor econômico.
Atualmente, Bagé tem uma das poucas fábricas de charque do Estado como antigamente, o restante da produção está centrado nas propriedades rurais, para consumo dos próprios produtores ou à venda em pequena escala. Há quase 10 anos, a Charque Paladar Tradicional prepara o produto a partir de cortes dianteiros (paleta e acem) de bovinos (70%) e ovinos (30%). Mensalmente, são cerca de 30 toneladas.
Eu trabalhava em um supermercado, percebi que havia falta de oferta de charque e resolvi investir conta o dono do empreendimento, Valter Martins, que há 10 anos mudou de ramo para apostar no sabor da tradição.
Fábrica Paladar, em Bagé
Da mesma forma como o charque produzido em pequenos volumes, o fabricado em escala industrial também é feito de maneira simples. Recebida e acondicionada em câmaras frigoríficas, com temperatura na faixa de 16ºC, a carne segue para a sala de corte, onde é fatiada em mantas. Conforme Márcia Canales, responsável pelo controle de qualidade da fábrica, na sala de salga, depois de receber o sal grosso em toda a superfície visível, o produto permanece de sete a 10 dias, em média. Por fim, segue para o varal, onde fica em processo de secagem de três a cinco dias em uma estufa, dependendo da temperatura ambiente quanto mais quente, mais rápida
a desidratação da carne.
Uma vez pronto, o charque vai para a área de empacotamento (picado ou em mantas) e, em seguida, para os setores de depósito e expedição. O quilo do charque normal varia de R$ 22 (em manta) a R$ 23 (picado). Já o light, com menos gordura,
custa R$ 25 (picado).
Estopim da Revolução
A fórmula clássica do churrasco gaúcho é conhecida: em um pedaço de picanha, costela, vazio ou outro corte bovino, distribui-se sal grosso de maneira uniforme, coloca-se para assar e, depois de algum tempo, bate-se para retirar o excesso de sal. Curiosamente, a produção do charque nasce de uma receita muito semelhante. A diferença básica é que, em vez de ir para a churrasqueira, a carne, depois de salgada, é pendurada em um varal para desidratar.
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Similaridades à parte, o churrasco e o charque são elementos indissociáveis da cutura rio-grandense. Se o primeiro é visto hoje como um símbolo da gastronomia gaúcha no país e no Exterior, o segundo foi protagonista de um dos episódios mais emblemáticos da história do Rio Grande do Sul: a Revolução Farroupilha. No início da década de 1830, o governo instituiu a cobrança de uma taxa extorsiva sobre o charque gaúcho, ao mesmo tempo em que passou a incentivar a importação do produto vindo da Argentina e do Uruguai. Estava armado o cenário para a mais duradoura revolta contra o jovem Império do Brasil, recém independente de Portugal.
Após ser salgada e desidratar, peças devem ficar cerca de 10 dias secando
A produção do charque no Brasil começou no Nordeste, no fim do século 17, especialmente no Ceará, no Rio Grande do Norte e na Paraíba. Na época, os principais mercados consumidores eram Pernambuco e Bahia.
Uma forte seca registrada entre 1777 e 1779, porém, inviabilizou a produção da iguaria no Nordeste. Foi neste momento em que o Rio Grande do Sul, então dono de um rebanho significativo, tornou-se líder na produção de carne e charque no país.
A primeira charqueada gaúcha que se tem notícia, aliás, teria surgido em 1780, em Pelotas, criada pelo português José Pinto Martins, que chegara ao Estado fugindo da seca no Nordeste, onde aprendera a produzir carne seca o charque surgiu de uma adaptação da receita original. O empreendimento acabou tornando-se o primeiro de vários que surgiriam na região, transformando Pelotas em um polo exportador de charque para o país, especialmente para o Nordeste.
As diferenças de preparo
Carne de sol
Também chamada de carne de vento, serenada e carne de sertão, a carne de sol tem esse nome porque, antigamente, as peças eram salgadas e colocadas para secar diretamente ao sol. Atualmente, a carne é salgada ligeiramente e colocada para secar em local coberto e ventilado, mas não mais diretamente ao sol. Relativamente rápida, a secagem deixa o interior da carne úmido. A textura e a cor originais são pouco modificadas.
Carne seca
Também conhecido como "jabá", típico das regiões Nordeste e Norte, tem preparo semelhante ao da carne de sol. A carne seca, porém, sofre uma desidratação mais intensa. O resultado é uma carne menos úmida do que a carne de sol. Tem textura mais firme, sofre maior mudança de cor e, em razão da desidratação, tem também um prazo de validade mais estendido.
Charque
Típico do Rio Grande do Sul, o charque leva mais sal no preparo do que os outros dois tipos. Como consequência, a carne é fortemente desidratada. Depois disso, é colocada para secar, em um período que varia de uma semana a 10
Guimarães Presidente Conselho Municipal de Cultura
Em mandato prorrogado
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